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Vacinação e Desinformação


Hoje em dia existem pais com mais receio do glúten na alimentação do que do vírus da varíola ou sarampo, o que por si só já explica a eficácia da vacinação. Algo que chocará qualquer pessoa idosa, ainda com memória dessas doenças. 

Seria de esperar que aceitassem o conhecimento e evidência científica atual e as instruções da OMS, que defendem a necessidade e eficácia dos programas de vacinação, mas não. Em várias entrevistas de pais anti-vacinas é referido que “pesquisaram muito tempo” para chegar a essa conclusão, apresentando um rol de argumentos retirado do seu curso intensivo nos diversos sites e vídeos sobre este tema, partilhados até à exaustão. 

E em que é que se baseiam esses pais? Maioritariamente em duas coisas: 1 - Uma falsa sensação de segurança, associado a um egoísmo social; 2 - Excesso de informação, muita dela alicerçada em meias verdades, desinformação e teorias de conspiração. 

O facto de decidirem que não existe necessidade de vacinação, resulta em parte da eficácia dos programas de vacinação e do diluir da memória das consequências dessas doenças. Obtêm mais informação mas sem a capacidade para a dissecar. Optam por não vacinar pelo risco de uma reação adversa grave, que por exemplo é de 0,0006% para uma determinada vacina, mas ignoram que contraindo a doença o risco de morrer é de 15%. Referem que preferem uma imunidade adquirida por um estilo de vida saudável, mas acabam é por beneficiar do efeito protetor da vacinação da maioria. Uma opção individual egoísta que prejudica não só os seus filhos mas toda a comunidade, nomeadamente com o aumento de pessoas que pensa dessa maneira. 

Mas o maior impulso a este movimento está relacionado com um artigo do britânico A. Wakefield, publicado na revista científica The Lancet em 1998, sugerindo a relação entre a vacina tríplice (sarampo, papeira e rubéola) e o autismo, partindo de um estudo com apenas 12 crianças. Apesar de ter sido criticado pelos seus pares, teve um grande impacto na sociedade, provocando em 2004 a redução para 80% da taxa de cobertura da vacina em Inglaterra. Depois da sua publicação, diversos e rigorosos estudos declararam que não existe nenhuma relação entre a vacina e o autismo, mas o mito manteve-se e propagou-se. Em 2004 uma investigação jornalística descobriu que Wakefield tinha falsificado dados em troca de dinheiro dos advogados dos pais de crianças autistas que queriam processar os produtores da vacina. Ainda assim, só em 2010, a revista The Lancet admitiu o erro, retirando o artigo dos seus arquivos e Wakefield perdeu a licença para exercer medicina. Em 2011 o British Medical Journal revelou que, para além de não existir rigor científico, o estudo continha dados forjados, uma vez que das 12 crianças analisadas, “5 já tinham problemas de desenvolvimento antes de receberem a vacina e outras três nunca tiveram autismo”.

Estão na moda as teorias de conspiração. Agora qualquer doença é uma maquinação dos media e qualquer vacina é uma conspiração das farmacêuticas, do Estado e dos pediatras para injetar químicos nas criancinhas. Já muitos se esqueceram porque é que hoje em dia raramente morrem crianças com sarampo, como já não morrem da devastadora varíola, e como já não há pessoas paralisadas na juventude pelo terror da poliomielite, ou o número de meningites meningocócicas ter diminuído drasticamente. Agora há por aí uns nichos em novas gerações que desconfiam de tudo o que é produzido pela indústria moderna ao ponto de recusarem tomar qualquer vacina, sob o pretexto que a "imunidade natural é que é boa". Sim, a mesma imunidade que fez com que em toda a história da humanidade, exceto no século XX, fossem as doenças infeciosas a maior causa de mortandade. 

As farmacêuticas estão metidas nisto para ganhar milhões? Pois estão. Mas para além de serem fortemente reguladas o negócio delas é a saúde, se vendessem a morte em vez da cura já há muito que estavam fora do negócio. Há males que resultam do seu trabalho? Sim, ocasionalmente, mas foi também com isso que evoluímos para melhores medicamentos, milhões de vidas salvas, melhor qualidade vida para doentes crónicos e maior esperança de vida para todos. 

Nenhum medicamento, tratamento médico ou vacina é isento de riscos. Até um simples Panasorbe pode causar uma reação anafilática, mas não é por isso que deixa de ser seguro ou se vai deixar de o tomar quando necessário. 

Desde a universidade que censuro socialmente quem é contra a vacinação ou não vacina os filhos. E sempre o vou fazer. O benefício da vacinação, para o próprio e principalmente para a saúde de toda a comunidade é incomparavelmente maior que os ínfimos riscos existentes. 

Também sou contra a ideia que é uma decisão individual, uma vez que considero ser uma responsabilidade coletiva. Os pais que não vacinam os filhos colocam em risco não só os seus filhos como toda a população. Não só os não vacinados, por serem imunocomprometidos ou por ainda não terem idade, como os próprios vacinados, porque nenhuma vacina é 100% eficaz. É a imunidade de grupo, assegurada pelas elevadas taxas de vacinação, que melhor protege toda a população, incluindo aqueles que não querem ser vacinados.

Mais do que discutir a obrigatoriedade de certas vacinas (já comum em muitos países) o que é preciso é mais pedagogia e reprovação social a estes movimentos.

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