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O terrorismo dos Incêndios


Em Portugal não temos o terrorismo do estado islâmico mas temos o terrorismo dos incêndios. A catástrofe de proporções dantescas que visualizamos e as histórias de horror das 64 vítimas e de mais de uma centena de feridos do fatídico incêndio de Pedrógão Grande não deixam ninguém indiferente. 


Curiosamente, os últimos 6 atentados terroristas na Europa juntos, tiveram menos vítimas (54) do que o incêndio em causa. São coisas diferentes, mas que nos fazem pensar na diferença do tratamento mediático e na perceção das pessoas para o número de vítimas. Numa altura em que o principal medo na Europa é o terrorismo, não deixa de ser contraditório que as maiores tragédias do último ano estejam associadas a incêndios, a de Pedrógão e a do prédio em Londres. 

Não é minha intenção identificar causas, soluções e muito menos responsabilidades para o sucedido, até porque não tenho competência na matéria. O que não invalida que, depois de analisada a situação, não se deva apontar eventuais responsabilidades e aprender com o que sucedeu, mas existe um tempo para tudo, e agora é o tempo de ação no combate aos incêndios, no apoio aos bombeiros, vítimas e seus familiares. Não perder tempo com discussões estéreis e sobretudo com politiquice e demagogia.

A tudo isto acrescento algo que pareceu-me de todo desajustado. Estando ainda o fogo a deflagrar e todos os envolvidos ainda em ação, uma jornalista pergunta a um decisor político, visivelmente exausto, com mais de 36 horas no terreno, se pretende pedir a demissão. Pior ainda, uma jornalista com muitos anos de experiência e com um vencimento estratosférico, a fazer um direto ao pé de um corpo carbonizado. Do jornalista que questiona “Como se sente?” a alguém que tinha perdido tudo. Quero acreditar que não faço parte de uma minoria que não compreende este tipo de comportamentos.

É certo que estivemos perante uma “tempestade perfeita”, ou neste caso, um “incêndio perfeito”, com uma conjugação de fatores naturais de todos já conhecidos e que perfilaram um cenário aterrador e sem precedentes, como também é certo que é uma inevitabilidade existirem muitos incêndios em Portugal, mas ficamos com a ideia que poderia ter sido feito mais para evitar tamanha tragédia. 

Vejo, mais uma vez, muito foco na atuação da proteção civil e dos bombeiros, na recorrente existência ou não de meios aéreos, esquecendo-se da limpeza das matas (recordo que 97% da área florestal é privada) e do esforço duro de criar aceiros ou limpar caminhos rurais, da melhoria das condições de vigilância, da profissionalização dos bombeiros e no trabalho prévio de prevenção e de ordenamento do território, um trabalho que levará décadas e acarretará enormes custos e uma maior contribuição por parte dos proprietários e restante população, mas sempre inferiores ao “custo” de tantas vidas humanas. Obviamente que apontar chavões como estes é muito mais fácil do que resolver este problema complexo, que até interfere com o direito à propriedade privada, a desertificação do interior do país e muitos “lobbies”, dos incêndios até às madeiras.
É tempo de apostar mais no princípio que norteia a minha atividade profissional, a prevenção.

Temos já legislação e estudos, e segundo fiquei a saber, nos últimos 2 anos um grande avanço legislativo nesta temática, que obviamente só dará resultados nos próximos 10 a 15 anos, mas à boa maneira portuguesa, sem fiscalização e penalização não se consegue nada. Como ouvi referir por estes dias, é como a utilização do cinto de segurança, usamos porque sabemos que podemos ser autuados por um polícia a qualquer momento, e não tanto porque achamos que nos estamos a proteger. 

Vai levantar muita contestação, vai irritar “lobbies” e vão-se perder votos, mas é imperativo não baixar os braços e que pelo menos esta fatalidade sirva como mote para construir o futuro já. 

O meu apreço a todos aqueles que combatem este flagelo e as sentidas condolências aos familiares das vítimas.

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