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“Quando o dedo aponta para a lua, os palermas apontam para o dedo”

2019 ficará na memória como o ano em que a crise climática passou de assunto secundário para o tema principal na agenda mundial, e ninguém fez mais por isso que Greta Thunberg. Goste-se ou não, a verdade é que mudanças significativas raramente acontecem sem a força de galvanização de personalidades influentes, e a crise climática encontrou a sua com Greta. 
A jovem ativista, desde que em agosto de 2018 começou a Greve pelo Clima, acampando em frente do Parlamento Sueco, já "falou com chefes de Estado na ONU, reuniu-se com o Papa, discutiu com o Presidente dos Estados Unidos e inspirou 4 milhões de pessoas a unirem-se à greve climática global, a 20 de setembro de 2019, na maior demonstração climática da história da humanidade." (Time) 
As suas ações tem repercussões em todo o mundo, sobretudo nas novas gerações. As suas palavras passaram a ser notícia. 
A ativista sueca, com síndrome de Asperger, é claramente uma das maiores e mais influentes vozes na defesa pelo ambiente e tenho dificuldade em encontrar outra personalidade em 2019 com maior impacto a nível mundial. 
O dia em que o seu nome foi anunciado pela prestigiada revista Time como personalidade do ano, foi o mesmo que a nova presidente da Comissão Europeia apresentou a sua primeira grande medida, o European Green Deal. Um ambicioso pacto ecológico europeu, com ações em todos os sectores, para promover a transição energética e fazer da Europa o primeiro continente neutro do ponto vista climático. Uma estratégia que vai ter um impacto gigantesco em todos nós, com uma mudança total de paradigma e já apelidado como a maior reforma de políticas da UE desde a sua fundação. Uma proposta com um mecanismo de 100 mil milhões de euros para ajudar as regiões mais vulneráveis a levar a cabo a transição energética e com um investimento anual astronómico para alavancar uma nova revolução industrial. 
Alguém acreditava, há 1 ano e pouco atrás, que isto seria possível sem o "efeito Greta"? 
Na verdade ela não traz nada que já não soubéssemos pela ciência. Não traz soluções políticas ou técnicas para os problemas (nem tal se esperaria de quem tem 16 anos), mas teve a capacidade de mobilizar as novas gerações, de apontar a inércia e conformismo dos adultos (que tanto nos aborrece) e de pressionar os decisores políticos para a obtenção de soluções. O papel dela é esse, ser o ícone político das alterações climáticas. 
E se dúvidas existissem acerca do seu protagonismo e do poder da sua mensagem, basta ver a campanha de “Fake News” de que é alvo, já desmascarada na comunicação social, bem como o ataque e atenção que lhe é dada pela extrema-direita e por todos aqueles que não acreditam nas alterações climáticas ou em limites para o capitalismo, como Trump e Bolsonaro e os seus exércitos de seguidores nas redes sociais. 
É sabido que pessoas com a sua condição desenvolvem um interesse obsessivo sobre determinados temas e que também afeta a interação social, que a tantos parece importunar, apelidando de exagerado. 
Obviamente que é assessorada no que diz, como é qualquer pessoa com o seu protagonismo, mas os seus discursos e intervenções são revistos por cientistas nesta área. 
Certamente que muitos se têm aproveitado para outras situações ou interesses e nem tudo o que diz tem a minha concordância. Mas choca-me ver a campanha de bullying que é feita a uma criança de 16 anos, que faz mais pelo ambiente que todos nós. 
Espanta-me irem sempre à procura de algo para criticar nas suas escolhas, seja na alimentação ou nos meios de transporte, afirmando que não são também isentas de problemas (como se existissem soluções inócuas). A esse propósito recordo-me do milenar adágio chinês “Quando o dedo aponta para a lua, os palermas apontam para o dedo”. 
Deixemo-nos de olhar para o dedo e dizer o pior possível do dono do dedo, por ter a audácia de apontar. 

Bom Natal e Bom Ano.

(artigo publicado na edição de 20-12-2019 do Tribuna das Ilhas

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