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Capitalismo e desigualdade


Há cerca de 2 semanas foi amplamente noticiado que a fortuna de Jeff Bezos aumentou 13 mil milhões dólares num único dia. Para o leitor mais distraído, Jeff Bezos é um empreendedor, empresário e investidor, conhecido por ser o fundador e CEO da AMAZON (também é dono ou investidor de largas dezenas de empresas) e por ostentar desde 2017, o título de homem mais rico do mundo, segundo a revista económica Forbes.

Bezzos, possui um património a rondar os 190 mil milhões, o maior da história moderna. Colocando as coisas em perspetiva, se o leitor aumentasse o seu património em 200 milhões por ano, o que já seria absurdo, precisava de 950 anos para ter o património de Jeff Bezzos. 

Se é verdade que o capitalismo é o sistema do “empreendedor”, também o é que, todo o empreendedor, se tem sucesso, acaba por ter rendimentos sobre o seu capital (no sentido lato do termo), e como tal acumula um património que tenderá a ser herdado e a crescer na geração seguinte. Não só o rendimento sobre o capital tende a crescer em percentagem em relação à totalidade do rendimento nacional, como as fortunas que eram maiores no passado tendem a tornar-se ainda maiores no futuro. Como refere Piketty no seu famoso livro “O Capital do século XXI”, estamos perante um mecanismo patrimonial, pelo qual “o passado tende a devorar o futuro”, explicando assim a desigualdade que é intrínseca ao capitalismo. 

Parafraseando João Constâncio, é deste ponto de vista que retiramos o significado político, ético, sociológico e filosófico do livro de Piketty: “Se o capitalismo tende a ser patrimonial e a gerar uma sociedade de herdeiros extremamente desigual, então o capitalismo tende a ser tudo menos meritocracia, o capitalismo tende a distribuir riqueza e o rendimento de uma forma intrinsecamente injusta, toda a sociedade capitalista tende a ser uma plutocracia”. 

Convém esclarecer que Piketty não é marxista nem tem uma visão determinista e inalterável do capitalismo. Não só refere que o capitalismo é um fator de desenvolvimento e criação de riqueza, como defende que um determinado grau de desigualdade e de competição em mercados regulados, torna-se fundamental para que ocorra inovação e o desenvolvimento tecnológico capazes de proporcionar os níveis de satisfação material alcançados nos países desenvolvidos. Como refere, o facto de existir países com uma riqueza acumulada de 600% do seu PIB não é uma coisa má, o problema está na distribuição desigual dessa riqueza acumulada. É aqui que está o busílis, a repartição desigual é injusta, potencia a pobreza e põe em causa a existência de uma classe-média forte, como aquela que se formou depois da II Guerra Mundial nos países que adotaram o modelo social europeu. Um modelo que se baseou na adoção de políticas fortemente redistributivas, contrariando a dinâmica patrimonial. 

Uma economia participativa, com uma tributação progressiva sobre a riqueza, a nível mundial (para evitar fugas para offshores), traduzida num aumento considerável de impostos sobre o património dos mais ricos e nas suas heranças, seria um fator fundamental na distribuição da riqueza acumulada. Esta solução de Piketty é intitulada pelo próprio como uma utopia, mas se conseguíssemos voltar a um nível de concentração da fortuna semelhante à dos anos 70 ou 80, já seria um passo gigantesco. 

Nunca tivemos tantos multimilionários com milhares de milhões euros, mas as desigualdades têm vindo a agravar-se desde os anos 90, fruto da dinâmica patrimonial, assente na liberalização, desregulação e globalização. Basta recordar que apenas 26 multimilionários têm tanta riqueza como metade da população mundial…metade!

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