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Divergências insanáveis e inultrapassáveis

Ao contrário do que é a regra nas mudanças governativas, Clélio Meneses, o agora ex-secretário Regional da Saúde e Desporto, saiu do Governo batendo a porta com estrondo. As suas palavras, dignas de citação, são pensadas, claras e com destinatário: “Faço-o por razões exclusivamente políticas, assentes em divergências insanáveis e inultrapassáveis, evidenciadas em sucessivas ingerências no exercício do cargo para o qual fui nomeado, dificultando, quando não impedindo, o cumprimento da complexa missão de gerir o setor”.

Mais uma vez, fica claro (até para os muito distraídos) quem é o “Dono Disto Tudo” nos Açores. Mas pelos vistos, nem todos no PSD estão para aturar este papel vexatório que está agora atribuído ao maior partido do Governo.

Os exemplos são demasiados, constantes e cada vez piores. Bem sei que existe uma falange de cargos de nomeação que há muitos anos eram desejados, mas como já o havia escrito, a desconsideração a que o maior partido do Governo está entregue há muito que ultrapassa o razoável.

Se tudo começou com um infeliz exemplo de normalização do Chega, posteriormente apontado a nível nacional como um exemplo negativo e instável de Governação, por todos os partidos e comentadores, inclusive pelo próprio André Ventura, cedo se percebeu que estávamos apenas a ver a ponta do icebergue.

É a dependência ao Chega, onde o deputado não perde oportunidade de ameaçar e gritar aos quatro ventos que é que manda e que só existe Governo por causa dele. É a vassalagem aos partidos minoritários da governação (CDS e PPM), partidos que a nível a nacional, não valem mais que zero vírgula qualquer coisa das intenções de voto, e que não duvido que fora da coligação, teriam juntos menos votos que o Chega, em próximas eleições regionais. São os exemplos dos líderes dos partidos minoritários a aparecer a apresentar as boas novas, deixando todo o papel constrangedor para o líder do Governo. São os saneamentos políticos, são as intromissões em todas as nomeações políticas, são as interferências governativas em outras pastas a seu belo prazer. Um ponha e disponha de que não há memória.

O jornalista Osvaldo Cabral, ao comentar aquilo que apelidou de constantes trapalhadas do Governo, terminou a sua intervenção com uma frase lapidar “Clélio Menezes fez aquilo que José Bolieiro já devia ter feito há muito tempo”.

Reconheço variadas capacidades políticas a José Bolieiro, desde logo a sua capacidade de gerar consensos e foi porventura um dos deputados do PSD que mais admirei em plenário, mas há que concluir que capacidade de liderança é algo que tarda em demonstrar.

Honra seja feita a Clélio Meneses, que mesmo assegurando a proteção ao seu partido e ao líder do governo, demonstrou coragem e despreendimento do cargo público (e bem que insistiu neste ponto, numa clara chamada de atenção para outros) não tendo receio de dizer as coisas como elas são, sem utilizar o argumento gasto das “questões pessoais” na hora de saída. Num artigo que escrevi há quase um ano, em que abordava o momento que passava um partido com os pergaminhos do PSD-Açores, referi que o novo lema devia ser “Antes viver sujeitos, que ser livre sem pelouro!”. Ora Clélio Meneses deixou claro que não se revê neste lema. Será o único?

(artigo publicado na edição de 09/03/2022 do jornal Tribuna das Ilhas)



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