Nos últimos tempos, o mundo tem assistido a uma mudança radical na política externa dos Estados Unidos, uma transformação que culminou numa reviravolta impensável: a superpotência que outrora liderou o Ocidente na luta contra regimes autoritários e ditaduras agora alinha-se, sem pudor, com os mesmos regimes que antes condenava.
Um dos episódios mais recente
deste realinhamento geopolítico aconteceu com a votação de uma resolução
apresentada pela Ucrânia e pela União Europeia, exigindo o fim da agressão
russa e reafirmando o princípio da integridade territorial. A Hungria, fiel ao
seu alinhamento pró-Kremlin, foi a única nação europeia a votar contra. Já não
surpreende: Viktor Orbán há muito se comporta como um agente do Kremlin dentro
da União Europeia, defendendo uma visão de governação iliberal que ecoa a de
Moscovo.
O que realmente deveria
preocupar-nos, no entanto, é quem se juntou a esta posição. Para além dos
suspeitos do costume — Rússia, Bielorrússia, Coreia do Norte, Sudão, Nicarágua,
entre outros —, os Estados Unidos da América optaram por votar ao lado das ditaduras
mais brutais do planeta, rompendo com os aliados históricos e sinalizando ao
mundo uma mudança de rumo que não pode ser ignorada.
Não se trata apenas de Donald
Trump e da sua retórica nacionalista. Trata-se de uma transformação mais
profunda e estruturada. Trump pode ser a face visível deste movimento, mas os
verdadeiros arquitetos desta mudança operam nas sombras. Figuras como Peter
Thiel e Curtis Yarvin são os verdadeiros ideólogos do novo trumpismo,
promovendo uma visão do mundo onde a democracia é um obstáculo e o poder deve
concentrar-se nas mãos de uma elite financeira. São nomes que raramente surgem
no debate político, mas cuja influência cresce exponencialmente. Yarvin, em
particular, defende a substituição do Estado por uma corporação privada, gerida
como uma empresa, sem espaço para eleições ou para qualquer ilusão de
participação popular.
Com a ascensão desta visão
anti-democrática, a América já não pode ser considerada um parceiro fiável para
a defesa dos valores ocidentais. O seu compromisso com o multilateralismo, a
NATO e a ordem internacional construída deste o pós-guerra está a desmoronar-se.
E a Europa precisa de reconhecer esta nova realidade antes que seja tarde
demais.
A ilusão de que Washington virá
sempre em nosso auxílio precisa de ser abandonada. A União Europeia tem de
assumir o seu próprio destino, investindo na sua defesa, reforçando a sua
autonomia estratégica e preparando-se para um mundo onde os Estados Unidos
podem ser tão imprevisíveis quanto qualquer outro ator global.
A Europa não pode mais iludir-se.
Cabe-nos a nós defender os princípios do direito internacional e da democracia
liberal. E para isso, é imperativo que nos preparemos. Militarmente.
Cientificamente. Economicamente. Politicamente.
Se não o fizermos, corremos o
risco de ver a ordem liberal, que sustentou a estabilidade e a prosperidade da
Europa durante mais de sete décadas, desmoronar-se perante os nossos olhos. E,
desta vez, sem ninguém para a reconstruir.
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