Neste pais à beira-mar plantado,
onde o bacalhau é rei e os programas de comentário político são superiores as reportagens
sobre os problemas que afetam a população, perspetivava-se mais uma eleição. O
povo, calejado por sucessivas desilusões, preparava-se para voltar a escolher
entre o caos conhecido e a esperança temperada com vinagre.
Os principais candidatos
reuniram-se num estúdio de TV com um cenário tão neutro quanto possível.
Pedro Nuno Santos, o antigo
maquinista rebelde da esquerda, entrou com um brilho nos olhos de quem já caiu
do cavalo e ainda assim voltou para pegar nas rédeas. Trazia ideias, entusiasmo
e o cabelo ligeiramente despenteado, típico de quem passou a noite a desenhar
soluções para os problemas do país que todos prometem resolver... mas só depois
das legislativas. Olhou para a câmara e disse:
“Eu não venho aqui prometer o
céu, mas quero acabar com o inferno atual de muitas pessoas.”
Luís Montenegro, o candidato que parecia
refém de um guião, seguro com as sondagens, aparentava estar numa aula de
Direito Constitucional dada por videoconferência. Mostrou gráficos como quem
mostra um Excel do FMI, repetiu “credibilidade' até parecer um mantra e sorriu
com o ar cúmplice de quem esconde uma intenção menos clara – talvez um novo aumento
camuflado da carga fiscal.
“Precisamos de estabilidade, deixem
o Luís trabalhar”, dizia, enquanto o público tentava perceber se ele estava a
falar do país ou da sua empresa familiar.
André Ventura entrou em cena com
a subtileza de um carro de ralis dentro de uma biblioteca: pirotecnia verbal e
uma lista de inimigos a abater. Prometia varrer o sistema com a convicção de
quem confundiu a Constituição com um guião de reality show.
“Vou limpar Portugal!” gritou,
com a energia de um influencer a
vender suplementos da Prozis, enquanto propunha pulseiras eletrónicas para quem
disser "Estado Social”, criar o Ministério da Verdade (presidido pelo
próprio) e substituir a Assembleia da República por uma live no TikTok.
No fim, os eleitores não votaram
apenas em ideias — votaram em sensações, calafrios e aquele sexto sentido que
só se ativa em véspera de eleições. E Pedro Nuno, apesar dos defeitos, soube
parecer próximo. Falou como quem sabe que o país não é palco para espetáculos
de odio ou um laboratório de tecnocratas, mas um lugar onde as pessoas vivem e
precisam de respostas práticas. Falou como quem sabe que o pais é uma casa com
humidade nas paredes, rendas a subir e muitas pessoas a tentar sobreviver com
baixos salários e pensões.
No dia seguinte, enquanto Ventura
insultava as urnas, Montenegro dava os parabéns ao seu adversário,
perspetivando que daqui a um ano estaríamos novamente em eleições.
Pedro Nuno subiu ao palco, com
aquele sorriso meio atrevido, meio cansado, de quem sabe que herdar o país é
como herdar um Opel Corsa de 1998 — dá trabalho, mas ainda pode andar muito.
E assim terminou a fábula da corrida
ao tacho da República. O tacho, como sempre, ficou com arroz agarrado no fundo.
Mas ao menos parece que vai ter alguém a tentar lavá-lo.
Agora, ide lá votar, porque por
aqui não se aprende nada — a não ser que, no fim, quem decide realmente é quem
vai às urnas.
(artigo publicado na edição de 16/05/2025 do jornal Tribuna das Ilhas)
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