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Açores: A pobreza que grita e o silêncio que governa

Os Açores enfrentam uma realidade socioeconómica alarmante. Segundo dados recentes do INE, a região apresenta uma taxa de risco de pobreza de 24,2%, significativamente acima da média nacional de 16,6%. Além disso, o Coeficiente de Gini, indicador de desigualdade de rendimentos, situa-se nos 33,8% nos Açores, o mais elevado do país. A taxa de privação material severa atinge 8,2% da população açoriana, o dobro da média nacional. Este número significa que milhares de açorianos não conseguem assegurar necessidades básicas como alimentação adequada, aquecimento, acesso à saúde ou pagamento de despesas correntes. É um retrato social vergonhoso para uma região integrada numa democracia europeia do século XXI.

Os Açores são, aliás, a única região do país que não conseguiu recuperar os níveis de 2020, demonstrando que a retoma nacional não chegou ao arquipélago.

Mas o retrato torna-se ainda mais gritante quando olhamos para os dados publicados na base estatística europeia do Eurostat. De acordo com esta fonte, os Açores são, de longe, a região com maior pressão de pobreza e exclusão social em Portugal, com mais de 30% da população em risco. Mesmo após o efeito corretivo das prestações sociais, o número apenas desce para 26,1%. Ou seja, mesmo com os apoios do Estado, mais de um quarto da população açoriana continua em situação de pobreza.

Os jovens “Nem/Nem” (15-29 anos) — que nem estudam, nem trabalham — representam 14,9%, o valor mais elevado do país. Isto compromete profundamente o futuro da região e demonstra uma falta de políticas eficazes para a juventude.

Esta constatação é mais do que um alerta: é um grito ensurdecedor de abandono. A ausência de uma estratégia regional robusta de combate à pobreza, a eliminação de planos como a Estratégia Regional de Combate à Pobreza e Exclusão Social, e a substituição por medidas avulsas, desarticuladas e de alcance limitado são sinais claros de uma governação sem bússola nem ambição.

Apesar das promessas lançadas com o novo Plano Regional para a Inclusão Social e Cidadania (PRISC), previsto para 2024-2028, a sua concretização continua envolta em indefinição. Enquanto isso, cresce a desconfiança das instituições sociais, das famílias, e de todos os que vivem, não de estatísticas, mas da dureza diária da desigualdade.

É urgente que o Governo Regional reconheça o falhanço das suas políticas sociais e reformule por completo a sua abordagem. Não há margem para mais retórica, nem tempo para experiências. Quando o Estado Social não consegue proteger nem mesmo após prestar apoio, o problema deixou de ser conjuntural — tornou-se estrutural.

Medidas pontuais e cortes em prestações sociais não substituem políticas estruturadas e sustentáveis. A priorização de iniciativas que não abrangem os mais vulneráveis, como a prioridade no acesso a creches apenas para crianças cujos pais trabalham, ignora a complexidade das situações de pobreza e perpetua-a.​

É imperativo que o Governo Regional assuma a responsabilidade pela atual situação e implemente políticas eficazes e inclusivas. A desigualdade que corrói a região é real, sentida no dia-a-dia, e exige respostas à altura. A responsabilidade política de combater esta tragédia social já não é apenas um dever moral — é uma exigência de dignidade.

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