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Abstenção e desconhecimento da realidade dos Açores

Não me vou debruçar nestas linhas sobre o resultado (já esperado) das últimas eleições Regionais. Já tudo foi dito sobre a vitória clara do PS por maioria absoluta, da sondagem e da abstenção.
Já foi também explanado, a nível local, a mudança de cor política na ilha do Faial, que não se consubstancia na subida do PSD, que na prática manteve o mesmo número de votos de 2012, eleição que então perdeu no Faial, mas sim pela perda de 919 votos do PS, nomeadamente para a abstenção (+332), BE (+265) e CDS (+227).
Na realidade o foco da questão é outro, a abstenção registada, mas no ponto de vista das justificações difundidas na comunicação social do Continente, que tanta indignação causaram em muitos Açorianos, que não se coibiram de efusivamente o demonstrar nas redes sociais. 
Vou-me cingir aos 2 casos mais mediáticos. O excerto da intervenção na SIC-Notícias, do conhecido comentador de assuntos políticos, Luís Delgado, sobre os valores recorde de abstenção nos Açores e a crónica semanal no Jornal de Negócios do argumentista/humorista João Quadros, um desconhecido para a maioria, mas que ficou célebre pelos seus textos para o Herman Enciclopédia, Contra Informação, entre outros.
O Luís Delgado justifica os resultados eleitorais e os valores da abstenção pelo facto de sermos uma “região muito pobre” e em que prolifera o “analfabetismo e desempego”, que “quando comparando com outras regiões do País está no fundo da tabela”. O comentador vai mais longe e afirma que os Açores “ao longo de 40 anos não conseguiu dar a volta, não conseguir alterar a situação de grande pobreza que existe na região”.
Qualquer Açoriano ou conhecedor da realidade dos Açores, sabe que os avanços nas últimas décadas são indesmentíveis. Bastaria dizer aos mais distraídos que entre 2000 e 2014 os Açores foram a região portuguesa que mais cresceu e mais convergiu com as médias europeias. Chega a ser assustador que passados todos este anos o desconhecimento e as generalizações sobre os Açores continuam tão elevadas, mesmo entre aqueles que pretendem comentar sobre a nossa Região. Deixa no ar um certo desprezo ou ataque camuflado à Autonomia Regional e aos seus intervenientes, o Povo Açoriano.
Em relação aos argumentos que apresenta, convém esclarecer com dados concretos. Segundo o INE os Açores têm a 2ª mais baixa taxa de Analfabetismo das 7 Regiões de Portugal, nomeadamente 4,7%, só superado por Lisboa (3,2%), ficando à frente de Algarve (5,4%), Norte (5%), Centro (6,4%), Madeira (7%) e Alentejo (9,6%).
Quanto ao desemprego e pegando nos valores do ano de 2015, temos novamente os Açores como segunda região com menos desemprego (11,1%), só ultrapassado pela região Centro com menos 0.1 pontos percentuais, e bem distante dos 15,7% do Algarve no fundo da tabela ou mesmo da média nacional de 12,4%.
Se analisarmos o PIB per Capita face a média da UE, verificamos que os Açores aparecem com um valor de 71%, superior aos 67% da região Centro e dos 64% do Norte do País.
Importa salientar que o comentador tem toda a liberdade de expor a sua opinião e não pactuo com os ataques pessoais que lhe foram desferidos. É verdade que existem focos de pobreza, desemprego e analfabetismo nos Açores, como existem em todo o lado, mas fica demonstrado que Luís Delgado, na tentativa de justificar os resultados eleitorais nos Açores, desconhece a realidade relativamente à qual opina, humilhando de forma gratuita e com falsas premissas a população dos Açores.
Caso diferente é o do João Quadros, conhecido pelo seu humor corrosivo. Como é hábito nos seus textos, feriu algumas suscetibilidades quando se referiu à abstenção nos Açores, mas ao contrário de um programa de análise política, estamos a falar de um texto carregado de ironia de um profissional da comédia. Podemos gostar ou não, mas tem toda a liberdade de escrever com o exagero e ironia que achar por bem, até porque é isso que caracteriza a comédia. Pelos ataques que lhe foram movidos nas redes sociais, ficou mais uma vez claro que para muitos o “Je suis Charlie” apenas funciona quando as graçolas não são sobre a sua região, clube de futebol ou religião.
Sempre achei muito perigoso o argumento dos que defendem os limites para o humor, porque mais não são que limites à liberdade de expressão. Eu não me importo com eventuais disparates que cada um expressa, até prefiro que o façam, porque assim consigo distinguir bem as pessoas com quem quero ou não relacionar-me.
Preocupa-me mais as pessoas que não saibam perceber uma piada (por menos graça que possa ter) e pretendem impor o seu modo de pensar limitando a liberdade dos outros.  

(publicado a 4 novembro 2016 no Tribuna das Ilhas)

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