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Um não assunto

O País foi entretido no passado mês com um não assunto. 
Uma estratégia recorrente quando se pretendem criar casos para distrair as atenções daquilo que realmente interessa.
Refiro-me à nomeação da nova Procuradora-Geral da República (PGR). Desde o início do ano, alguns sectores da direita lançaram a onda da recondução da PGR, com base no trabalho realizado.
Estou certo que o leitor reconhece a PGR, tal o número de casos mediáticos no seu mandato e até tem boa impressão do trabalho realizado. Globalmente também tenho, até porque a opinião pública ficou com a ideia que ninguém está a salvo de ser investigado (ir a julgamento já é outra história). Apesar de positivo e corajoso, considero que o mandato não foi aquilo que alguns apregoam.
Não só porque, passado todo este tempo, os casos mais mediáticos nem chegaram a julgamento, não existindo, portanto, nenhuma sentença, como também existem vários casos mal explicados, como são exemplo, os Estaleiros de Viana do Castelo, a Tecnoforma, os Submarinos, entre outros. Com a agravante de nos 2 últimos, a investigação e tribunais europeus, terem confirmado a existência de fraude e corrupção, enquanto em Portugal os mesmos foram arquivados!
Sobre a suposta recondução, nada melhor que ler o que pensa a própria PGR cessante. Em 2016, numa conferência em Cuba, ao referir-se ao seu cargo, Joana Vidal dizia “É nomeado e assegurado pelo Presidente da República, sob proposta do Governo. Tem mandato de seis anos. O mandato tem duração única“, declarações disponíveis no site da Procuradoria. Também numa entrevista no boletim da Ordem dos Advogados referia que “a passagem dos anos” retira “capacidade de distanciamento e autocrítica”, concluindo: “Por alguma razão, o mandato do procurador-geral da República é de seis anos, não renovável. E bem, na minha perspetiva”.
Ora, o mandato de 6 anos foi tido sempre como único desde a revisão constitucional de 97, apesar de não vir taxativamente na lei, foi sempre essa a sua interpretação.
Tanto é, que se trata de um mandato superior aos 4 anos do Governo e aos 5 do Presidente, sendo único, para que não estivesse dependente de uma avaliação do poder político para a sua renovação, salvaguardando-se assim a sua independência. O próprio sindicato dos magistrados comunga da opinião de mandato único, pelo “princípio de não eternização dos cargos” e de independência face ao poder político.
Para não ferir suscetibilidades, e mantendo o que sempre defendeu, o Presidente da República nomeou uma nova PGR: nada mais, nada menos, que o braço direito da anterior, assegurando assim a linha da sua antecessora. Uma nomeação bem aceite por todas as correntes políticas e magistratura.
Mas o que me intrigou foram as tentativas de manipulação e pressão, como nunca antes tinha presenciado, aos órgãos de soberania. Chegou-se ao ponto do jornal de direita, Observador, afirmar que já estava tudo confirmado para a recondução da PGR, discriminando até reuniões realizadas, bem ao estilo da FOX NEWS, no apoio a Donald Trump.
Se o histerismo do populismo era esperado, bem como o proliferar das Fake News (como foi a absurda fotografia em que supostamente a nova PGR estava a jantar com José Sócrates), já os comentários do anterior Primeiro-Ministro e Presidente da República, são um caso inigualável na nossa democracia.
Dos mesmos só se pode fazer uma leitura, mesmo que não tenham tido a coragem para o dizerem. O que quiseram insinuar, sobre quem nomeou, a atual figura mais importante da nossa democracia, colega de partido e atual Presidente da República, demonstra um ressabiamento inultrapassável.
A resposta essa, foi à altura.
Parabenizo o Presidente da República pela coragem de não ceder a pressões e não enveredar pelo caminho do populismo, só para “ficar bem na fotografia”. E todos nós sabemos o quanto aprecia fotografias…

(artigo publicado na edição de 04/10/2018 do Tribuna das Ilhas)

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