Nos Açores e no Continente, estamos perante duas eleições incertas e das quais se prevê instabilidade. Não sabemos quem irá ganhar, se será possível formar governo, sendo reduzidas as probabilidades de uma situação estável e duradora.
Mas já existe um grande vencedor: a unipessoal de André Ventura, que dá pelo nome de CHEGA. Com todas as sondagens a dar um crescimento superior a todos os restantes, com percentagens que ultrapassam os 15% e uma extrapolação para números de deputados que poderá rondar os 30 a 40, terá assim um claro papel de fiel da balança para o resultado das eleições.
Mas voltemos atrás na história, ao ano de 2017 em que um conhecido comentador desportivo da CMTV, foi escolhido pelo PSD para se candidatar à Câmara de Loures. Cedo começou a disparar os seus soundbites xenófobos e racistas, que culminaram em destaque na imprensa, na retirada de apoio do CDS e críticas de destacados membros do PSD.
Nada que abalasse Passos Coelho, que prontamente confirmou e defendeu Ventura. Podemos dizer que foi uma espécie de “pai” político, como o primeiro líder a fazer a normalização deste tipo de discursos.
Percebendo o que estava a passar no mundo, André Ventura criou um partido de extrema direita e tornou-se num mitómano sem originalidade, que se limitava a copiar ou adaptar a demagogia populista de personagens como Trump e outros tais.
Seguindo o mesmo tipo de marketing político, cedo ganhou destaque na imprensa e redes sociais, traduzindo isso num aumento do seu eleitorado. Alimentando-se de crises, notícias sensacionalistas e de erros dos seus adversários, acentua divisões e propõe soluções simplistas ou alheadas da realidade para problemas complexos.
Mas se Passos Coelho pode ser considerado como o “pai” político, José Manuel Bolieiro pode ficar com o título do “padrinho”, pois foi com ele que o CHEGA soube o que era fazer parte de uma solução governativa e controlar um governo. Mas mais do que isso, foi com a decisão de Bolieiro que se atingiu os pícaros da normalização, defesa e justificação do CHEGA.
Um partido que tem como líder um homem que diz que está numa missão que recebeu de Deus e que foi condenado por ofensas a uma família num caso com contornos de racismo, que tem como ideólogo um defensor do colonialismo e um destacado militante que escreveu uma moção com António Pereira, um dos muitos nomes que a extrema-direita “anti-sistema” foi recrutar ao PSD, e que no congresso não se inibiu de dizer: "Eu chamo-me Rui Cruz. Sou um homem. Sou pai de família. Sou avô. Sou fascista."
Os que não estudam a História estão condenados a repeti-la. E os que a estudam estão condenados a presenciar a sua repetição pelos que não a estudam.
Já vimos o desfecho em várias eleições pela Europa. O resultado é sempre o mesmo, quando o centro-direita normaliza a extrema direita, acaba por ser engolido. O CDS foi a primeira vítima, o PSD cedo ou tarde sentirá as consequências.
Montenegro já percebeu e recusa acordo de governação, mas o mal já está feito e não se prevê solução de governo de direita sem o CHEGA. É o próprio ideólogo do partido que refere que “se recusar o CHEGA, alguma coisa muda no PSD”, acreditando na substituição do líder do PSD, quiçá para que André Ventura possa reencontrar o “pai” político.
Não, dia 4 de Fevereiro e 10 de Março não vale dizer que não sabiam ao que iam. Sabiam, sim.
(artigo publicado na edição de 19 Janeiro de 2024 do Tribuna das Ilhas )
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