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O Mito da Meritocracia

A meritocracia é um conceito que se baseia na ideia de que o mérito e as capacidades são os fatores determinantes do sucesso. Acontece que um dos maiores fatores para ser bem-sucedido na vida é ser filho de pessoas bem-sucedidas, mesmo com fraco aproveitamento escolar, como comprovam vários estudos.

Ser filho de pessoas bem-sucedidas influencia o nosso futuro sucesso de duas formas. Os genes que herdamos e o ambiente familiar e socioeconómico em que somos criados. Dado que ninguém escolhe o seu próprio genoma e ninguém escolhe a família onde nasce – se rica, se bem conectada socialmente, se bem estruturada – também não me parece que seja possível atribuir o nosso mérito a essas ocorrências.

A coisa mais perversa associada a esta ideia da meritocracia levou a uma corrente liberal anti Estado. No fundo, a lógica é a seguinte: “se eu fui bem-sucedido à conta do meu esforço e tu não, porque é que eu tenho que pagar mais impostos para te sustentar?”

A ideia do “Self Made Man” sugere que o sucesso é alcançado isoladamente, ignorando o papel crucial do Estado na criação das infraestruturas, instituições e serviços que permitem essa prosperidade. O mais relevante é que o Estado é um dos poucos mecanismos capazes de promover uma verdadeira meritocracia, ajudando a diminuir as desigualdades entre diferentes extratos sociais. Assim, crianças de ambientes desfavorecidos têm uma oportunidade mais justa de competir com aquelas que nasceram em "berços de ouro".

O desrespeito pelo Estado demonstrado por esta ala meritocrática é uma afronta a todos nós, já que o investimento público em investigação, inovação, tecnologia é um dos grandes pilares que permite que estes “Self Made Man” vão surgindo. O telemóvel que temos na mão, é graças ao investimento do Estado. Mesma coisa para a Internet e muitos dos fármacos que consumimos hoje em dia.

O sucesso de um "Meritocrata" depende profundamente da sociedade em que está inserido e das condições que esta lhe proporcionou. A sua riqueza resultou de uma ideia genial que só foi possível graças ao trabalho e esforço de muitas outras pessoas que contribuíram para criar as bases necessárias para o seu desenvolvimento. Já para não falar que não seriam nada na ausência das pessoas “sem grande mérito” que lhes produzem a comida, que tratam da recolha do lixo, etc. Aqueles que recebendo pouco, mantêm todas as infraestruturas a funcionar.

É importante deixar claro que isto não é uma crítica aos empreendedores. Eles têm mérito, e muitos trouxeram mudanças significativas à sociedade. No entanto, é preciso abandonar a ideia de que surgem isoladamente, como se o seu sucesso fosse exclusivamente fruto do seu esforço, enquanto outros falham por "preguiça". Embora existam pessoas menos esforçadas, usar essa generalização para atacar o Estado Social e justificar cortes nas contribuições para a sociedade é absurda e perigosa.

E para quem acha que tudo se resume a esforço, vamos imaginar a mãe solteira com dois empregos, a receber pouco mais que o ordenado mínimo, sem ajuda em casa para tomar conta dos filhos e que tem que fazer a lida doméstica e acompanhar as crianças na escola…faltará esforço a esta pessoa?

 (Este artigo resume o texto de João Cerqueira sobre Meritocracia)


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