Em Portugal, existe um paradoxo profundo nas expectativas da
sociedade relativamente aos funcionários públicos. Às segundas, quartas e
sextas, exige-se mais presença policial nas ruas, mais profissionais de saúde
nos hospitais, mais professores e assistentes operacionais nas escolas e em
diversos outros sectores da administração pública. Porém, às terças, quintas e
sábados, a mesma voz pública reclama que há funcionários públicos a mais. Esta
duplicidade revela um preconceito enraizado e uma incompreensão sobre o papel
essencial do serviço público no funcionamento de uma nação.
Este preconceito não é novo, mas foi fortemente reforçado durante
o governo de Passos Coelho e Paulo Portas. Naquela altura, popularizou-se a
ideia de que os funcionários públicos eram sinónimo de ineficiência, e que o
setor privado era o único capaz de oferecer serviços de qualidade. Esta visão
não só ignora a complexidade do trabalho no setor público, como também esconde
os interesses políticos por detrás de certos discursos.
Quando olhamos para os países que lideram os rankings
internacionais de qualidade de vida e eficiência — os países nórdicos, por
exemplo —, encontramos uma realidade bem distinta: têm muito mais funcionários
públicos que Portugal. Para se ter uma ideia, países como a Suécia, Noruega ou
a Dinamarca os funcionários públicos são cerca de 30% do total de
trabalhadores, enquanto que em Portugal esse valor nem chega aos 15%. Aliás, a maioria dos Estados membros da UE
tem mais funcionários públicos que Portugal. E não só os têm, como os
valorizam, porque sabem que sem esses profissionais é impossível ter serviços
de saúde, educação e segurança que respondam às necessidades da população.
Ainda assim, a retórica de "funcionários públicos a
mais" persiste, alimentada por uma agenda política que visa enfraquecer o
Estado para, eventualmente, privatizar os serviços.
Esta "profecia autorrealizável" é uma estratégia usada
pela direita política, que vê nas dificuldades do serviço público uma
oportunidade para abrir caminho a interesses privados.
Tomemos o caso dos CTT: Enquanto empresa pública, os Correios de
Portugal eram uma referência em eficiência e serviço ao cidadão. Com a sua
privatização, o serviço deteriorou-se de forma evidente.
A questão muitas vezes não é o número de funcionários públicos,
mas sim a gestão. O verdadeiro problema surge quando a administração pública se
torna refém de interesses políticos, com nomeações de topo baseadas na lealdade
partidária em vez da competência. São essas nomeações que enfraquecem as
instituições, comprometendo a qualidade dos serviços prestados.
É importante que se percebe que não se pode exigir mais polícias,
mais médicos e mais professores sem estar disposto a aumentar o número de profissionais
nestes sectores e as condições para fazerem o seu trabalho. Não se pode querer
um serviço público de excelência sem os recursos humanos devidamente
renumerados, bem geridos e com os recursos materiais adequados.
Portugal precisa de um serviço público forte, bem renumerado,
justo e sobretudo bem gerido. Um serviço público que responda às necessidades
dos cidadãos e que seja parte da solução para os muitos desafios que o país enfrenta.
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