Imaginem, por um instante, que o Primeiro-Ministro Luís Montenegro tivesse aumentado a dívida pública nacional em mais de 40%. Conseguem imaginar o que se seguiria? Aberturas de telejornais em tom dramático, debates televisivos infindáveis, colunas de opinião inflamadas e uma oposição em pé de guerra. Seria um escândalo nacional. Mas, curiosamente, quando o mesmo acontece nos Açores, tudo passa despercebido.
Segundo dados oficiais, a dívida pública regional cresceu 42% nos últimos cinco anos de governação da Coligação PSD/CDS/PPM. Atingimos um máximo histórico de 3400 milhões de euros de dívida em 2024 para uma região com apenas 236 mil habitantes. Os dados mais recentes do Banco de Portugal (2º trimestre 2025) indicam que a dívida já ultrapassava os 3700 milhões de euros. Estamos a falar de um valor que é quase o dobro do que tínhamos em 2019! E, no entanto, onde estão as manchetes, os debates e a indignação pública?
A comunicação social regional, salvo honrosas exceções, parece resignada ao papel de publicar informação oficial dos gabinetes de comunicação e a sociedade civil, apática, assiste de braços cruzados, como se a dívida não fosse também sua.
A SATA é o exemplo gritante desta desgovernação. Em apenas dois anos, uma companhia que começava finalmente a recuperar voltou a mergulhar num abismo financeiro. Em 2022, quando se iniciou o processo de privatização, a Azores Airlines apresentava sinais claros de melhoria sob a gestão de Luís Rodrigues (2019-2022). Hoje, o cenário é de degradação sem precedentes: prejuízos que se aproximam dos 83 milhões só no ano de 2024 (mais que o dobro que o ano anterior), rotas desorganizadas e moral em queda livre.
Quem tenta agora salvar a empresa descreve publicamente o processo como “apanhar uma faca a cair”, uma metáfora perfeita para o estado em que deixaram a companhia: perigosa, instável e à beira do colapso.
Onde esteve o Governo Regional, acionista único? Como se permitiu esta queda tão rápida? E quem vai responder por este retrocesso que todos os açorianos vão pagar?
O mesmo padrão repete-se noutros setores. O Tribunal de Contas acusa o Governo de “desorçamentar despesa pública” através da Portos dos Açores, S.A., empresa que está a assumir obras fora da sua competência. O relatório é claro: a dívida da empresa aumentou 58% entre 2022 e 2024, alcançando 272,8 milhões de euros, tornando-se “insustentável”.
Enquanto isso, os alertas multiplicam-se. O Conselho Económico e Social dos Açores tem sido insistente nas advertências alarmantes sobre o agravamento da dívida e a falta de reformas estruturais. As Câmaras de Comércio avisam que o rumo atual é “economicamente insustentável”. Os economistas da região pedem um Plano de Reequilíbrio Financeiro. Mas o poder político prefere uma campanha de autoelogio, como se a negação fosse uma forma legítima de governação. É o velho truque político de trabalhar os dados para fabricar uma sensação de estabilidade que já não existe.
É urgente romper este ciclo de complacência. Os Açores não podem continuar a normalizar o descontrolo financeiro, a falta de transparência e o apagão do escrutínio público. Uma região que se acomoda à irresponsabilidade está, inevitavelmente, a hipotecar o seu futuro.
Porque, no fim, o silêncio é a dívida mais cara de todas e é sempre o povo quem acaba por pagá-la.
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