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Parabéns Donald Trump!

Apesar de discordar da sua visão para a América, quem consegue alcançar semelhante resultado numa eleição livre e democrática, contra todas as possibilidades iniciais, tem reconhecidamente mérito e astúcia. Usou a estratégia de fugir da imagem do candidato politicamente correto e alinhado com o sistema político/financeiro e disse tudo o que os americanos revoltados com os políticos e com o “establishment” queriam ouvir. E o discurso de vitória, consensual, e quase contrário a tudo o que afirmava na campanha, assim o confirma.
Mais do que a vitória, que foi sempre uma possibilidade nas sondagens dos últimos meses, choca-me a argumentação que se resume a afirmar que os Americanos são ignorantes. Como se este fosse o primeiro exemplo ou um caso único apenas na América!
Esta estratégia de avestruz, que prefere esconder a cabeça na areia, do que analisar as verdadeiras causas, é algo que me preocupa, principalmente quando temos um ano cheio de eleições por toda a Europa.
Será que desconhecem o porquê do Brexit, o porquê das democracias do Leste da Europa estarem cada vez mais nas mãos de líderes de extrema-direita nacionalista e xenófoba, a quase vitória de Marie Le Pen da Frente Nacional em França, o crescimento assustador que está a ser reproduzido pela extrema-direita e pela direita populista na Alemanha, França, Itália, Holanda, Áustria, Dinamarca, Suécia, Finlândia e Grécia?
Continuem a fechar os olhos e a ridicularizar quem votou Trump. Continuem a desvalorizar o avolumar de insatisfação das populações com as estratégias económicas e políticas que lhe são apresentadas. Continuem a ignorar o voto dos descontentes com os aspetos negativos da globalização e as suas consequências económicas e sociais. Continuem com a ladainha neoliberal dos mercados, dos números a sobreporem-se às pessoas. Na ideia de que o mundo é mais bem gerido pela “mão invisível” dos mercados do que pelos poderes democraticamente eleitos. Todas estas questões também entroncam nos movimentos migratórios, nos extremismos e no proliferar do terrorismo, inclusive em jovens nascidos na Europa. Todos estes fenómenos agudizam os receios, a intolerância para com os outros e o nacionalismo e protecionismo desmedido.
Foram os descontentes que fizeram a diferença na votação dos EUA, os que querem uma mudança radical do sistema e face à alternativa escolheram aquele que para eles representava a mudança.
É certo que a América profunda e sem formação superior, os conservadores evangélicos e lobbys como o das armas e combustíveis fósseis, votou em massa em Trump, mas esses sempre apoiaram os candidatos Republicanos. O que fez toda a diferença foi o voto de protesto da classe média branca e trabalhadora, que não se sentiu abrangida na retórica de Hillary, que optou por uma valorização excessiva das minorias e das elites. Já para não falar no forte empurrão dos média ao fenómeno Trump, no início mais interessados em “vender notícias” do que a informar e posteriormente com o receio da sua vitória, na brutal campanha de ataques ao candidato, o que associado ao apoio a Hillary, foi mal recebido pelo eleitorado. Em ambos os casos fizeram com que Trump fosse o candidato mais destacado, o que fez com que o eleitor começasse a interiorizar as suas ideias simples e populistas para problemas complexos.
O voto do protesto contra o "establishment" e o apelo ao patriotismo contra a globalização neoliberal e tudo o que vem de fora ganhou, mesmo elegendo quem oferecia o populismo e a demagogia como solução. Mas mais cedo ou mais tarde quem o elegeu vai perceber que Trump faz parte do sistema que afirmava querer lutar, um sistema que sempre apoiou e com o qual lucrou. Basta ver a equipa que está a formar e a proposta de baixar drasticamente os impostos aos mais ricos. Pelo meio vai conseguir entreter o seu eleitorado com políticas de perseguição aos imigrantes e minorias (o bode expiatório) e com a revogação de alguns tratados internacionais, com um impacto ainda por avaliar na economia Mundial.
A pergunta que fica no ar é qual seria o resultado se o candidato democrata fosse o “socialista” Bernie Sanders? Um candidato que para além de reunir o voto dos “Millennials” e das minorias, tinha também a classe operária, descontente, do seu lado. Um candidato que, como Trump, também representava o voto de mudança contra o poder económico instalado e a classe política dominante.
Fica o aviso para a Europa num ano com muitas eleições! É urgente refundar o nosso sistema de sociedade e de representação coletiva.

(publicado a 18 novembro 2016 no Tribuna das Ilhas)

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