Apesar de discordar da sua visão para a América, quem consegue alcançar semelhante
resultado numa eleição livre e democrática, contra todas as possibilidades
iniciais, tem reconhecidamente mérito e astúcia. Usou a estratégia de fugir
da imagem do candidato politicamente correto e alinhado com o sistema político/financeiro
e disse tudo o que os americanos revoltados com os políticos e com o “establishment”
queriam ouvir. E o discurso de vitória, consensual, e quase contrário a tudo o
que afirmava na campanha, assim o confirma.
Mais do que a vitória, que foi sempre uma possibilidade nas sondagens dos
últimos meses, choca-me a argumentação que se resume a afirmar que os Americanos
são ignorantes. Como se este fosse o primeiro exemplo ou um caso único apenas na
América!
Esta estratégia de avestruz, que prefere esconder a cabeça na areia, do que
analisar as verdadeiras causas, é algo que me preocupa, principalmente quando
temos um ano cheio de eleições por toda a Europa.
Será que desconhecem o porquê do Brexit, o porquê das democracias do Leste
da Europa estarem cada vez mais nas mãos de líderes de extrema-direita
nacionalista e xenófoba, a quase vitória de Marie Le Pen da Frente Nacional em
França, o crescimento assustador que está a ser reproduzido pela
extrema-direita e pela direita populista na Alemanha, França, Itália, Holanda,
Áustria, Dinamarca, Suécia, Finlândia e Grécia?
Continuem a fechar os olhos e a ridicularizar quem votou Trump. Continuem a desvalorizar o avolumar de
insatisfação das populações com as estratégias económicas e políticas que lhe
são apresentadas. Continuem
a ignorar o voto dos descontentes com os aspetos negativos da globalização e as
suas consequências económicas e sociais. Continuem com a ladainha neoliberal dos mercados,
dos números a sobreporem-se às pessoas. Na ideia de que o mundo é mais bem
gerido pela “mão invisível” dos mercados do que pelos poderes democraticamente
eleitos. Todas estas questões também entroncam nos movimentos migratórios, nos
extremismos e no proliferar do terrorismo, inclusive em jovens nascidos na Europa.
Todos estes fenómenos agudizam os receios, a intolerância para com os outros e
o nacionalismo e protecionismo desmedido.
Foram os descontentes que fizeram a diferença na votação dos EUA, os que
querem uma mudança radical do sistema e face à alternativa escolheram aquele
que para eles representava a mudança.
É certo que a América profunda e sem formação superior, os conservadores
evangélicos e lobbys como o das armas e combustíveis fósseis, votou em massa em
Trump, mas esses sempre apoiaram os candidatos Republicanos. O que fez toda a
diferença foi o voto de protesto da classe média branca e trabalhadora, que não
se sentiu abrangida na retórica de Hillary, que optou por uma valorização
excessiva das minorias e das elites. Já para não falar no forte empurrão dos média
ao fenómeno Trump, no início mais interessados em “vender notícias” do que a
informar e posteriormente com o receio da sua vitória, na brutal campanha de
ataques ao candidato, o que associado ao apoio a Hillary, foi mal recebido pelo
eleitorado. Em ambos os casos fizeram com que Trump fosse o candidato mais
destacado, o que fez com que o eleitor começasse a interiorizar as suas ideias
simples e populistas para problemas complexos.
O voto do protesto contra o "establishment" e o apelo ao patriotismo contra a globalização neoliberal
e tudo o que vem de fora ganhou, mesmo elegendo quem oferecia o populismo e a demagogia como solução.
Mas mais cedo ou mais tarde quem o elegeu vai perceber que Trump faz parte do sistema
que afirmava querer lutar, um sistema que sempre apoiou e com o qual lucrou. Basta ver a equipa que está a formar e a proposta de baixar
drasticamente os impostos aos mais ricos. Pelo meio vai conseguir entreter o
seu eleitorado com políticas de perseguição aos imigrantes e minorias (o bode
expiatório) e com a revogação de alguns tratados internacionais, com um impacto
ainda por avaliar na economia Mundial.
A pergunta
que fica no ar é qual seria o resultado se o candidato democrata fosse o
“socialista” Bernie Sanders? Um candidato que para além de reunir o voto dos “Millennials”
e das minorias, tinha também a classe operária, descontente, do seu lado. Um
candidato que, como Trump, também representava o voto de mudança contra o poder
económico instalado e a classe política dominante.
Fica o aviso
para a Europa num ano com muitas eleições! É urgente refundar o nosso sistema
de sociedade e de representação coletiva.
(publicado a 18 novembro 2016 no Tribuna das Ilhas)
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